mai,
23
Meu
Nariz
Minha mãe tem um
nariz comprido e meu pai um nariz largo, o meu é a combinação de ambos. É
grande. A única pessoa que conheci com um nariz consideravelmente maior do que
o meu foi um professor do ensino médio, que também tinha olhos minúsculos, era
praticamente sem queixo e ridiculamente magro. Lembrava o cruzamento de um
flamingo e um instrumento agrícola antiquado e andava meio sem firmeza quando
batia um vento contrário. Ele também se escondia bastante.
Eu queria me esconder também. Quando garoto, fui caçoado sem piedade
alguma a respeito do meu nariz por anos até que um dia, por acaso, avistei meu
perfil em um par de espelhos paralelos e tive que admitir que ele era, na
verdade, bem engraçado. A partir daquele momento, as pessoas pararam de me
importunar em relação ao meu nariz, e ao invés começaram a me provocar sem dó
alguma por conta de eu dizer coisas como “na verdade”, algo que nunca deu uma
trégua sequer até os dias de hoje.
Uma das características mais curiosas sobre o meu nariz é que ele não
permite a entrada de ar algum. Algo difícil de entender ou até mesmo acreditar.
Este problema nos leva de volta há muito tempo quando eu era um garotinho
morando na casa da minha avó. Minha avó era a representante local do RSPCA*, o
que significava que a casa estava sempre cheia de cachorros e gatos seriamente
machucados, e até mesmo os menos comuns como texugos, furões, ou pombos.
Alguns estavam feridos fisicamente, outros psicologicamente, mas o efeito
que eles provocaram em mim foi danificar seriamente minha capacidade de
concentração. Por causa do ar espesso de pele de animal e poeira, meu nariz
ficava inflamado e escorrendo ininterruptamente, e a cada quinze segundos eu
espirrava. Qualquer pensamento que eu não conseguisse explorar, desenvolver, ou
chegar a alguma conclusão lógica dentro de quinze segundos seria então
forçosamente expelido da minha cabeça, junto com grande quantidade de muco.
Há aqueles que dizem que tendo a pensar e escrever em frases curtas, e se
há alguma verdade nessa crítica, então foi quase certamente enquanto morava com
minha avó que o hábito se desenvolvera.
Eu escapei da casa da minha avó indo para o internato, onde pela primeira
vez na minha vida consegui respirar. Essa abençoada liberdade recém descoberta
perdurou por boas duas semanas, até que tive de aprender a jogar rugby. Por
volta dos primeiros cinco minutos da primeira partida que joguei, consegui
quebrar o nariz no meu próprio joelho, o que embora tenha sido um feito
claramente extraordinário, teve o mesmo efeito em mim que aquelas sublevações
geológicas tiveram em civilizações inteiras nos romances de Rider Haggard –
isto efetivamente me isolou do mundo lá fora para sempre.
Vários especialistas em otorrinolaringologia, em épocas diferentes,
embarcaram em grandes expedições espeleológicas em minhas vias nasais, mas a
maioria voltou perplexa. Aqueles que não retornaram perplexos, simplesmente não
retornaram, e são, conseqüentemente, agora parte do problema ao invés da
solução.
A única coisa que me deixou tentado a provar cocaína era o horrendo aviso
de que a coisa corroia o seu septo. Seu eu achasse que a cocaína poderia na
verdade achar um caminho pelo meu septo, eu alegremente enfiaria baldes de
cocaína no nariz e deixaria que ela corroesse o quanto quisesse. Fui dissuadido,
entretanto, pelas observações de amigos que literalmente enfiaram cocaína aos
baldes nas narinas e que têm capacidade de concentração ainda menores que as
minhas.
Então, agora estou mais conformado com o fato de que meu nariz é decorativo ao invés de funcional. Como o Telescópio Espacial Hubble, ele representa uma incrível proeza da engenharia, mas não serve para nada, exceto talvez para causar algumas risadas fáceis.
Esquire, Verão
de 1991
N.T.: The
Royal Society for the Prevention of Cruelty to Animals – Principal órgão do
Reino Unido de proteção aos animais.
0
comentários