Introdução

Introdução de Comic Books #1


As pessoas com freqüência me perguntam de onde tiro as minhas ideias, às vezes tão freqüentemente quanto oitenta e sete vezes por dia. Esse é um risco bem conhecido pelos escritores, e a resposta correta para a questão é primeiramente respirar bem fundo, normalizar seus batimentos cardíacos, preencher sua mente com imagens calmas e tranqüilas do cantar dos pássaros e botões de ouro nos campos na primavera, e então tentar dizer, “Bem, interessante você ter perguntado isso...” antes de começar a chorar e soluçar incontrolavelmente.
O fato é que eu não sei de onde as ideias vêm, nem mesmo onde procurá-las. Tampouco qualquer outro escritor. Isso não é bem verdade, na verdade. Se você estivesse escrevendo um livro sobre os hábitos de acasalamento dos porcos, você provavelmente colheria algumas boas ideias se passasse um tempo num chiqueiro vestindo uma capa de chuva de plástico, mas se a sua área é a ficção, então a única resposta verdadeira é beber muito café e comprar uma escrivaninha que não se espedace quando você bater com sua cabeça nela.
Eu exagerei, é claro. Esse é meu trabalho. Há algumas ideias específicas das quais eu me lembro exatamente de onde vieram. Pelo menos eu acho que me lembro; talvez eu esteja apenas inventando isso. Isso também é parte do meu trabalho. Quando eu tenho que escrever um trabalho bem longo, freqüentemente eu escuto a mesma música várias e repetidas vezes. Não enquanto estou escrevendo de verdade, é claro, para isso é necessário que tudo esteja bastante silencioso, mas enquanto estou buscando outra xícara de café ou fazendo algumas torradas ou polindo meus óculos ou tentando achar mais cartuchos para a impressora ou trocando as cordas do meu violão ou removendo as xícaras de café e migalhas de torradas da minha escrivaninha ou indo ao banheiro para sentar e pensar por meia hora – em outras palavras, a maior parte do dia. O resultado é que muitas das minhas ideias vêm de músicas. Bom, pelo menos uma ou duas. Para ser bem exato, há apenas uma ideia que veio de uma música, mas eu continuo com esse hábito para o caso de ele funcionar de novo, o que não vai acontecer, mas quem se importa.
Agora você sabe como funciona. Simples, não é?

De O Guia do Mochileiro das Galáxias
(edição de colecionador), DC Comics,
Maio de 1997.

Pensamento

Quais os benefícios de se comunicar com os seus fãs por e-mail?
 
É mais rápido, mais fácil e requer menos lambidas.

Carta

Caro editor,
O suor escorria pelo rosto e pingava sobre o meu colo, deixando minhas roupas muito molhadas e grudentas. Eu ora sentado ali, ora caminhando, observando. Tremia absurdamente enquanto me sentava, olhando para aquela caixinha, esperando – sempre esperando. Unhas cravadas na própria carne enquanto cerrava os punhos. Passei o braço sobre meu rosto quente e molhado, que pingava de suor. O suspense era insuportável. Mordia os lábios na tentativa de que eles parassem de tremer por conta do terrível fardo da ansiedade. Repentinamente, a caixinha de correios na porta se abriu e dela caiu uma correspondência. Agarrei meu Eagle e rasguei todo o papel da embalagem.
Minha agonia havia acabado por mais uma semana!

D. N. Adams (12), Brentwood, Essex,
23 de janeiro de 1965
Eagle and Boys' World Magazine

[Nota do Editor: Nos anos sessenta, The Eagle era uma revista de ficção científica inglesa de enorme sucesso. Esta carta é a primeira obra conhecida publicada de Douglas Adams, na época com doze anos de idade.]

Entrevista

Entrevista cedida ao site Virgin.net


Se existe um homem que conhece uma coisinha ou outra sobre viagens, deve ser o cara que comeu hambúrgueres e fritas no restaurante no fim do universo. Encontramos o autor Douglas Adams em sua nova residência nos Estados Unidos, para onde se mudara recentemente para as filmagens de O Guia do Mochileiro das Galáxias.

Qual a sua melhor lembrança de férias na infância?

Minhas férias quando criança foram bem modestas – o auge foi aos seis anos de idade, quando passei quinze dias em Isle of Wight. Lembro-me de ter pegado o que achava ser uma solha, embora ela tivesse o tamanho de um selo de cartas, e de sua morte logo após adotá-la como animal de estimação.

Desde a sua infância, você chegou a voltar lá?

Acho que voltei para Isle of Wight uma vez só. Fiquei em um hotel cuja diversão das noites era apagarmos as luzes do restaurante e ficarmos assistindo uma família de texugos brincando no gramado.

Para onde você foi na primeira vez que tirou férias sem os seus pais?

Fiz um mochilão pela Europa com dezoito anos de idade.

O que fez por lá?

Fui para Áustria, Itália, Iugoslávia e Turquia, sempre ficando em albergues para jovens e acampamentos, e suprindo minha dieta indo a passeios gratuitos pelas cervejarias. Istambul foi sem dúvida incrível, mas acabei com uma intoxicação alimentar e tive que voltar para Inglaterra de trem, dormindo no corredor próximo ao banheiro. Ah, bons tempos...

E você voltou lá?

Voltei à Istambul mais uma vez. Estava voltando de uma viagem da Austrália e, arbitrariamente, decidi descer em Istambul no caminho de volta. Mas pegar um táxi no aeroporto e ficar em um bom hotel, ao invés de pegar carona na traseira de um caminhão e dormir no quarto dos fundos de uma pensão barata, de certa maneira roubaram toda aquela magia. Fiquei andando pela cidade uns dois dias, tentando me livrar dos vendedores de tapetes e então fui embora.

Qual o lugar mais remoto, ou bizarro, onde já foi parar?

A Ilha da Páscoa é, com toda certeza, o lugar mais remoto da Terra, famoso por estar mais distante de qualquer lugar do que qualquer outro lugar. E é por isso que é estranho que eu tenha ido parar lá por acaso e por apenas uma hora. Aprendi uma lição muito importante com isso, que era – leia seu bilhete de viagem.

Quando esteve lá e por que?

Eu viajara de Santiago para Sidney e estava um pouco cansado – tinha passado as duas semanas anteriores procurando por focas – e não tinha me atentado para o itinerário do avião, até o momento que o piloto mencionou que iríamos fazer uma parada de uma hora na Ilha de Páscoa.
Havia uma pequena frota de microônibus no aeroporto que levava as pessoas para dar uma olhada rápida na estátua mais próxima enquanto o avião reabastecia. Foi muito frustrante porque se eu tivesse prestado atenção nisso um dia antes, poderia facilmente ter trocado minha passagem e ficado lá por mais uns dois dias.

Qual sua cidade favorita? O que mais te fascina nela?

No meu imaginário, é Florence, mas apenas por conta das lembranças das viagens que fiz para lá quando era estudante e os dias que passei de completo êxtase sob o sol, vinho barato, e arte. Visitas mais recentes cobriram aquelas lembranças do passado com congestionamentos e fumaça.
Hoje, acho que diria que minha cidade favorita é uma pequena cidade – Santa Fé, no Novo México. Amo o ar do alto deserto, as margaritas e o guacamole, as fivelas de prata dos cintos e a sensação de que as pessoas sentadas na mesa ao seu lado no café são provavelmente vencedoras do prêmio Nobel.

Qual foi a última vez que você fez um mochilão?

Há cerca de 10 anos, na ilha de Rodrigues, no Oceano Índico. Pegar carona era a única maneira de se locomover pela ilha. Não havia transporte público, porém algumas poucas pessoas possuíam Land Rovers, então era rezar para que elas passassem. Acabei indo parar em uma floresta, de madrugada, vestindo bermudas, porém tinha deixado meu repelente de mosquitos para trás. Resultado: passei a noite mais agoniante da minha vida.

Qual foi o seu lugar favorito enquanto estava na estrada em Last Chance to See?

Madagascar – embora, na verdade, tenha sido apenas um prelúdio para Last Chance to See. Adorei a floresta e os lêmures e o calor das pessoas.

Qual a estrutura feita pelo homem que você considera a mais interessante da galáxia?

A barragem que estão construindo em Três Gargantas no Yangtse. Embora talvez “desconcertante” seja uma palavra mais adequada. Represas quase nunca fazem o que foram planejadas para fazer, no entanto causam uma devastação além do imaginável. Mesmo assim continuamos construindo-as, e não consigo entender o porquê. Estou convencido de que se voltássemos bastante na história da espécie humana, acharíamos alguns genes de castor se desenvolvendo lá em algum lugar. É a única explicação que faz sentido.

Já esteve lá?

Nunca mais voltei ao Yangtse desde que as construções começaram. Espero nunca ver aquela coisa.

E a estrutura natural mais interessante?

Um peixe gigante de três quilômetros de comprimento na órbita de Júpiter, de acordo com uma matéria confiável da Weekly World News. A fotografia era bastante convincente e me surpreende que jornais mais respeitáveis como o New Scientist, ou até mesmo o The Sun, não tenham apresentado mais detalhes. Deveriam nos informar.

Se você tivesse que dizer o nome de um local que “parece que acabou de cair do espaço sideral”, em qual lugar você pensaria?

Fjorland, nas Ilhas do Sul, na Nova Zelândia. Um impossível aglomerado de montanhas, cachoeiras, lagos e gelo – o lugar mais extraordinário que já vi.

Se você pudesse ir para qualquer lugar do universo agora, para onde iria, como chegaria lá e quem e o que levaria com você?

A nível local, creio que Europa, uma das 16 luas de Júpiter. É um dos corpos celestes mais misteriosos do sistema solar, muito adorado por escritores de ficção científica, pois é um dos poucos lugares que poderiam possivelmente sustentar vida de alguma espécie, e há certas estranhezas na sua estrutura que tem levado à especulações malucas sobre ela ser artificial. Além disso, em noites em que o alinhamento orbital está perfeito, deve se ter uma ótima visão do peixe.


Entrevista conduzida por Claire Smith,
Virgin Net Limited, 22 de setembro de 1999.

Pensamento

Cheguei a um conjunto de regras que descreve nossas reações em relação à tecnologia.

1. Qualquer coisa que já está no mundo quando você nasce é normal e comum e é apenas uma parte natural do modo como o mundo funciona.

2. Qualquer coisa inventada entre seus quinze e trinta e cinco anos de idade é nova, empolgante e revolucionária e você pode, provavelmente, construir sua carreira com ela.

3. Qualquer coisa inventada depois dos seus trinta e cinco anos vai de encontro à ordem natural das coisas.

Palestra

Biscoitos


Isso realmente aconteceu com uma pessoa de verdade, e no caso esta pessoa era eu. Eu tinha ido pegar o trem. Era abril de 1976, em Cambridge, no Reino Unido. Eu estava adiantado para a saída do trem. Tinha anotado o horário de saída errado. Fui comprar um jornal para fazer as palavras cruzadas, uma xícara de café e um pacote de biscoitos. Fui e me sentei à mesa. Quero que você imagine a cena. É extremamente importante que você entenda muito bem a situação. Aqui está a mesa, o jornal, a xícara de café, o pacote de biscoitos. Há um rapaz sentado do outro lado da mesa à minha frente, um rapaz de aparência bem comum, vestindo um terno, carregando uma maleta. Não parecia que ele ia fazer alguma coisa estranha. Eis o que ele fez: de repente ele se curvou para frente, pegou o pacote de biscoitos, abriu a embalagem, pegou um, e comeu.

Eis agora, preciso dizer, o tipo de coisa com a qual os britânicos têm muita dificuldade de lidar. Não existe nada em nosso histórico, criação, educação, que nos ensine como lidar com alguém que, em plena luz do dia, acabou de roubar seus biscoitos. Sabe o que aconteceria se fosse no Centro-Sul de Los Angeles? Haveria, muito rapidamente, tiroteio, helicópteros surgindo, a CNN, sabe como é... Mas no final eu fiz o que qualquer típico britânico faria: ignorei o fato. Então dei uma olhada no jornal, tomei uns goles de café, tentei resolver umas cruzadinhas no jornal, sem sucesso, e então pensei: O que vou fazer?

Por fim, pensei: Nada, terei que aceitar a situação, e me esforcei para não notar o fato de que o pacote estava, misteriosamente, aberto. Peguei um biscoito para mim. Pensei, Isso vai intimidá-lo. Mas não. Um segundo ou dois depois ele fez de novo. Pegou outro biscoito. Não ter comentado nada na primeira vez fez com que tocar no assunto agora fosse ainda mais difícil. Com licença, mas não pude deixar de notar que... Tipo, não dá.

Acabamos com o pacote assim. Quando digo todo o pacote, quero dizer que havia apenas uns oito biscoitos, mas que pareceram uma vida toda. Ele pegava um, eu pegava outro, ele mais um, eu outro. Finalmente, quando terminamos, ele se levantou e foi embora. Bem, trocamos olhares significativos, então ele foi embora, e eu respirei aliviado e me recostei.

Pouco depois o trem estava chegando, então engoli o resto do café, me levantei, recolhi o jornal, e embaixo do jornal estavam os biscoitos. O que mais gosto nessa história é a sensação de que em algum lugar da Inglaterra, há um rapaz comum que, pelos últimos vinte anos, tem andado por aí com exatamente a mesma história, só que ele não tem o remate.


Trecho de uma palestra para Embedded Systems, 2001.

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